segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sobre a obra de Álvaro de Campos

“ (…) O romance-drama desta vida-obra considera assim duas “eras” no conto que Álvaro de Campos é feito ser: Antes de Caeiro de Depois de Caeiro – A.C e D.C….

A primeira (1913-1914) revela esse “ Poeta Decadente” que se nutria de cultura francesa (“Gostava de ter poemas e novelas / Publicadas por Plon e no Mercure”; diz, em “Opiário”) e se exprime num verso ainda obediente ao metro e à rima, embora com voluntárias e displicentes dissonâncias.

A era “Depois de Caeiro” corresponde ao resto da vida de Campos e do seu criador – porque significativamente morreram no mesmo ano.

Esta segunda “era” tem três grandes momentos: a do “Engenheiro Sensacionista” que o encontro com o Mestre Caeiro acordou (iniciaticamente) no poema decadentista e surará até ao poema “Lisbon Revisited” de 1923, a do “Engenheiro Metafísico” que irá até 1931, e a do Engenheiro Aposentado”, a última, até ao fim da obra-vida: 1935.

O “Engenheiro Sensacionista” revelar-se-á, sobretudo, através dessas “grandes odes” de que o “Engenheiro Aposentado” guarda a nostalgia. Além da “Ode Triunfal” e da “Ode Marítima”, outras odes mal e incompletamente conhecidas são por este Livro mais amplamente dadas a conhecer: “Saudação a Walt Whitman”, “Ode Marcial”, “A Passagem das Horas” e “A Partida” (…)

O “Engenheiro Metafísico”, apesar de escrever ainda em 1927 uma ode à maneira de “A partida”, em que, seguindo os ensinamentos de Caeiro, tenta aprender a morrer, “Ode Mortal” (inédita) afasta-se cada vez mais da lição do Mestre e vai perdendo o ritmo e o ímpeto das anteriores “cavalgadas”. É o período dos grandes poemas – “Tabacaria”, “Lisbon Revisited”, “Mestre, meu mestre querido”, “Ao volante do Chevrolet”, “Insónia”, “Aniversário”, a que acrescentaremos o inédito “Ode Mortal” – apesar de ter passado o tempo das “grandes odes”.

O último período, o do “Engenheiro Aposentado”, permite-nos assistir ao desistir dos planos, ao “deixar cahir os braços ao sol-pôr do esforço” desse judeu errante que escreveu os seus poemas como páginas do diário da sua errância interior. É a altura do “Regresso ao Lar” – assim intitula o soneto que previu para fechar o Livro.”

(Teresa Rita Lopes, Prefácio de Álvaro de Campos – Livro de Versos, ed. Crítica, 3ª ed., Lisboa, Referência/Ed. Estampa, 1997)


Fonte: Manual Entre Margens 12º ano, Porto Editora

Sem comentários:

Enviar um comentário